sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

[Xilogravura] Sartei de banda

 


Xilogravura digitalizada em 300dpi, clique para melhor visualização.

Nome: Bruno Bossolan (Brasil, 1988)

Título: Sartei de banda

Técnica: Xilogravura em placa de mdf. Impressão com tinta tipográfica em papel artesanal de fabricação própria feito com flores secas do Ponto de Cultura Casa Rosa, localizado em Capivari/SP.

Dimensão: 9cm de diâmetro

Ano: 2022


Sartei de banda é uma expressão caipira utilizada para se esquivar da responsabilidade ou de qualquer situação que envolva o locutor. Sartar (saltar) refere-se a fugir/esquivar e banda (grupo) é a ênfase ou pode também ser entendida como um superlativo, quase que um fugir com tudo. Além disso, também replicamos o ditado quando observamos um grupo de capivaras pulando no rio Capivari. Veja abaixo a explicação do capivariano Divaldo Datti (1929-2016). 


¹ "1940 - AH, PULEI ÁGUA; mais adiante se transformaria em PULEI FOGO.

Tempos depois em: AH! SALTEI, que nós, capivarianos, usando rotacismo, dizíamos: AH! SARTEI. Ainda mais para frente: SARTEI, SARTEI FOGO.    

Todas essas expressões, como se deduz, excluindo ou eximindo de responsabilidade ou de participação aqueles que as dissessem. Seria como se alguém falasse: "ah! isso não é comigo, estou fora disso", "num tô nem aí", etc.

Nhá Barbina* aplaudida artista caipira da rádio paulista e televisão, em especial do "Viva a Noite", da TV-S, quase que indiscutivelmente a pessoa que mais tenha se utilizado dos ditados SARTEI! ou SARTEI FOGO!, que foram muito populares em nossa cidade. Capivarianos acima de meia-idade haverão de se lembrar deles todos e muito bem.

A propósito, ainda em 1985 ouvimos Nhá Barbina usar constantemente do SARTEI, SARTEI FOGO! em suas apresentações pela televisão."


¹ DATTI, Divaldo. Não durma no ponto. São Paulo: Pannartz, 1987.

* Nhá Barbina foi o nome artístico de Conceição Joana da Fonseca (1915-1994).

[Monotipia] Calipiá



Monotipia digitalizada em 300dpi, clique para melhor visualização.

Nome: Bruno Bossolan (Brasil, 1988)

Título: Calipiá

Técnica: Monotipia em folha de papel alumínio com tinta tipográfica. Desenho feito com cotonetes, espeto para churrasco e algodão. Impressão em papel sulfite A4 90g.

Dimensão: 21cm x 29,7cm

Ano: 2022


Calipiá e/ou Calipêro é como o caipira de Capivari chama uma plantação de eucaliptos. Lembro-me que na tenra infância eu sofria por causa da sinusite. Minha mãe me levou a um Benzedeiro e ele disse: "vai num calipiá, pega foia, faz um chá e deixa o menino inalá". Recordo-me de debruçar com uma toalha sobre o dorso em um canecão e inalar aquele doce do eucalipto, nunca mais tive crises de sinusite. Essa passagem me constituiu a personalidade: eucaliptos que adoçam as manhãs.

Ao Benzedeiro que não me recordo o nome, mas guardo no peito por afeição, a minha singela homenagem com essa monotipia sem valor comercial, mas com o apego às raízes: O Caipira é cosmopolita!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

[Crônica] A casa do Professor de História que não deixará resquícios na história local

Nesta casa, esquina da rua General Osório com a rua Fernando de Barros, residiu Flávio de Toledo Pacheco, um dos primeiros professores da disciplina de História em Capivari - SP. Foi contemporâneo do Filósofo Carlos Lopes de Mattos, e dos professores Newton Pimenta Neves e Aldo Silveira.


Imagem: Google Maps, 2011.


No livro De Volta ao Ginásio (2010), organização de Maria Augusta Mattos, há o texto "Temas para provas dissertativas de História", que reproduzo logo abaixo.

Pelos temas abordados em 1970, podemos supor que houve grande contextualização com a realidade local: o racismo pungente em Capivari e a proibição do Negro de frequentar espaços públicos e clubes de música; a exploração da mão-de-obra na monocultura da cana-de-açúcar e os arrendadores de terras; e as Monções (expedições fluviais, inclusive de onde se deu também a Expedição Langsdorff) que partiram de nossa região, especificamente da cidade de Porto Feliz – SP, em busca do ouro em Minas Gerais. Mesmo que não abordados os assuntos diretamente, esses temas dão sensação de que a “grade curricular”, por assim dizer, era pautada também no que envolvia a vivência local, e suscitava nos alunos questionamentos sobre a estrutura social.

Outro ponto importante é que no ano de 1964 o Prof. Flávio considerou com seus alunos de 12 anos “a questão militar”, já no início da Ditadura. Essa sensibilidade de ponderar sobre o momento presente, contemporâneo então à época, é ainda tida como raras exceções em professores da cidade. Nota-se também certo aspecto progressista na postura do Prof. Flávio quando ele considera que Farrapos foi uma Revolução e não uma Revolta, como comumente teorizada por tantos outros professores.

Agora, a transcrição do texto supracitado:

Quem foi aluno do professor Flávio de Toledo Pacheco há de se lembrar de suas aulas, sempre expositivas, sempre interessantes e que supunham muito conhecimento por parte dos alunos, maior interesse e capacidade de seguir suas referências, ligações e interpretação dos fatos históricos. Não era raro que o professor, ao menos na perspectiva dos alunos, divagasse durante a aula inteira. Era, sem dúvida, um professor muito culto e que supervalorizava seus alunos.

Observando-se alguns temas de suas sabatinas, pode-se recuperar um pouco da memória de como o Prof. Flávio trabalhava com o conteúdo da História e de como propunha a reflexão de a seus alunos.

Durante o ano de 1964, para a 2ª série do ginásio (alunos com média de 12 anos de idade), o professor Flávio deu os seguintes temas para dissertar:

_ A Guerra Cisplatina e suas consequências na política interna do Brasil;

_ Solução da Questão Christie;

_ Os planos de Solano Lopez;

_ A Lei Eusébio de Queiroz e sua aplicação;

_ A Questão Militar;

_ O fim da Revolução de Farrapos;

_ Como foi a Constituição do Império. Quais seus principais dispositivos;

_ O Major Miguel de Frias;

_ O Estado Novo: como começou e quando. Acontecimentos que causaram seu fim.

 

Em 1966, para a 4ª série do ginásio (alunos com a média de 14 anos de idade):

_ Homero;

_ Semelhanças e diferenças entre o meio físico do antigo Egito e o da antiga Mesopotâmia;

_ Consequências políticas e sociais das navegações;

_ As questões sociais no reinado de Luís Felipe;

_ O estilo gótico na arte medieval;

_ Os árabes antes de Maomé;

_ As diferenças entre o norte e o sul das colônias inglesas da América do Norte;

_ Montesquieu;

_ A questão da Irlanda no século XIX.

 

Em 1969, também para a 4ª série do ginásio:

_ A realidade europeia no fim do século XIX: política entre as nações e política de expansão;

_ A Revolução Industrial: comparar a situação da França e da Inglaterra antes do início desse fenômeno;

_ A grande rota britânica de comércio com o Oriente;

_ As rebeldias surgidas dentro do bloco comunista soviético;

_ Catarina II;

_ As divergências entre os representantes dos vários Estados, e suas consequências imediatas;

_ O desenvolvimento cultural do Ocidente no século XIII;

_ Causa das guerras púnicas.

 

Em 1967, para o 1º científico (turma que iniciava o que hoje se chama ensino médio):

_ O início da Revolução Industrial e a vantagem que a Inglaterra conseguiu sobre a França;

_ A burocratização no Estado moderno;

_ O desemprego disfarçado;

_ As dificuldades do desenvolvimento nos países atualmente atrasados;

_A Assembleia Legislativa.

 

Em 1970, para a 1ª série do colegial (1º ano do ensino médio);

_ O elemento negro na formação do povo brasileiro;

_ O aperfeiçoamento dos engenhos de açúcar no Brasil;

_ A expansão do gado da Bahia para o norte até a margem do São Francisco;

_ O ouro em Minas Gerais.

 

Dia após dia, incessantemente, o patrimônio edificado em Capivari se perde com as histórias de seus moradores, de memórias que não resistem à voracidade de marretas e maquinários da destruição. Enquanto a cidade estiver apenas alçada nesse falso progresso que apaga a Memória local, inclusive as vivências, o pertencimento também se evade com a juventude de outros tempos por essas construções. Uma casa é uma casa, mas compõe o registro de passagens históricas para a comunidade.

A casa do Prof. Flávio, em questões construtivas, possuía as linhas retas de Art Déco, uma técnica muito reproduzida da década de 30 em diante, dando então à cidade o aspecto Moderno para o antigo centro de arquitetura Colonial e/ou Eclética. Agora, o que resta da memória de Flávio de Toledo Pacheco e sua atuação como professor por aproximadamente duas décadas (entre 1950 e 1970), é o nome ofertado à passividade de uma rua.


Imagem: BB, dezembro de 2022.

Imagem: BB, dezembro de 2022.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Crônica Ceifa [2020, e-book - Editora Lobo Azul]

Escreve Manilius em suas Astronômicas: nec dulcia carmina quaeras: ornari res ipsa negat. “Não procures poema agradável: a matéria mesma recusa o ornamento”. Poesia é uma experiência de alteridade & alteridade é território onde culmina Vênus, a amorosa, mas também onde levanta-se Saturno, o negro, o frio, o distante. Saturno é ainda a melancolia, o luto por nossa própria morte na ausência de sentido, como observou Walter Benjamin. A partir do século XV, tornou-se comum ver-se uma foice nas mãos de Saturno, antes rei de uma idade dourada, agora um esqueleto. A foice é tempo, colheita & morte, atributo de deuses agrários, os das sementeiras, os das mutilações, os da vida dos grãos & das condenações dos grãos à morte. Todas as lâminas curvas são lunares & assim a foice foi associada à via indireta, ao caminho secreto para o mundo noturno, inferior & interior. Entre celtas parece ter existido o uso do ritual de uma pequena foice dourada para colheita de visco. Nela, o semicírculo lunar da lâmina, geralmente crescente, encontra-se invertido, voltado para baixo: a relação entre Luna & Saturno não é a do crescente, mas a da lua minguante, hecateana & sacrificial. Abrir-te ao meio invocando a besta. Nestas páginas de Crônica Ceifa surge com alguma recorrência a imagem do corvo, ave alquímica da nigredo, da primeira matéria ou da matéria regressiva da putrefactio. Este pássaro adquire aqui valor venéfico & silencioso do escorpião, quando “as manhãs brilham nos arames farpados” para “ferroar-te os pés numa campina reclusa”. Crônica Ceifa faz esquecer a monotonia da matéria.


Apresentação de Rubens Zárate (escritor, antropólogo e historiador).
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Para adquirir Crônica Ceifa basta clicar na imagem abaixo.