Nesta casa, esquina da rua General Osório com a rua Fernando de
Barros, residiu Flávio de Toledo Pacheco, um dos primeiros professores da
disciplina de História em Capivari - SP. Foi contemporâneo do Filósofo Carlos Lopes
de Mattos, e dos professores Newton Pimenta Neves e Aldo Silveira.
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Imagem: Google Maps, 2011. |
No livro De Volta ao Ginásio (2010), organização de Maria Augusta Mattos, há o texto "Temas
para provas dissertativas de História", que reproduzo logo abaixo.
Pelos temas abordados em 1970, podemos supor que houve grande
contextualização com a realidade local: o racismo pungente em Capivari e a proibição
do Negro de frequentar espaços públicos e clubes de música; a exploração da mão-de-obra
na monocultura da cana-de-açúcar e os arrendadores de terras; e as Monções (expedições
fluviais, inclusive de onde se deu também a Expedição Langsdorff) que partiram de
nossa região, especificamente da cidade de Porto Feliz – SP, em busca do ouro
em Minas Gerais. Mesmo que não abordados os assuntos diretamente, esses temas dão
sensação de que a “grade curricular”, por assim dizer, era pautada também no que
envolvia a vivência local, e suscitava nos alunos questionamentos sobre a
estrutura social.
Outro ponto importante é que no ano de 1964 o Prof. Flávio
considerou com seus alunos de 12 anos “a questão militar”, já no início da
Ditadura. Essa sensibilidade de ponderar sobre o momento presente,
contemporâneo então à época, é ainda tida como raras exceções em professores da
cidade. Nota-se também certo aspecto progressista na postura do Prof. Flávio
quando ele considera que Farrapos foi uma Revolução e não uma Revolta, como comumente
teorizada por tantos outros professores.
Agora, a transcrição do texto supracitado:
Quem foi aluno do professor Flávio de Toledo Pacheco há
de se lembrar de suas aulas, sempre expositivas, sempre interessantes e que supunham
muito conhecimento por parte dos alunos, maior interesse e capacidade de seguir
suas referências, ligações e interpretação dos fatos históricos. Não era raro
que o professor, ao menos na perspectiva dos alunos, divagasse durante a aula
inteira. Era, sem dúvida, um professor muito culto e que supervalorizava seus
alunos.
Observando-se alguns temas de suas sabatinas, pode-se
recuperar um pouco da memória de como o Prof. Flávio trabalhava com o conteúdo
da História e de como propunha a reflexão de a seus alunos.
Durante o ano de 1964, para a 2ª série do ginásio (alunos
com média de 12 anos de idade), o professor Flávio deu os seguintes temas para
dissertar:
_ A Guerra Cisplatina e suas consequências na política
interna do Brasil;
_ Solução da Questão Christie;
_ Os planos de Solano Lopez;
_ A Lei Eusébio de Queiroz e sua aplicação;
_ A Questão Militar;
_ O fim da Revolução de Farrapos;
_ Como foi a Constituição do Império. Quais seus
principais dispositivos;
_ O Major Miguel de Frias;
_ O Estado Novo: como começou e quando. Acontecimentos
que causaram seu fim.
Em 1966, para a 4ª série do ginásio (alunos com a média
de 14 anos de idade):
_ Homero;
_ Semelhanças e diferenças entre o meio físico do antigo
Egito e o da antiga Mesopotâmia;
_ Consequências políticas e sociais das navegações;
_ As questões sociais no reinado de Luís Felipe;
_ O estilo gótico na arte medieval;
_ Os árabes antes de Maomé;
_ As diferenças entre o norte e o sul das colônias
inglesas da América do Norte;
_ Montesquieu;
_ A questão da Irlanda no século XIX.
Em 1969, também para a 4ª série do ginásio:
_ A realidade europeia no fim do século XIX: política
entre as nações e política de expansão;
_ A Revolução Industrial: comparar a situação da França e
da Inglaterra antes do início desse fenômeno;
_ A grande rota britânica de comércio com o Oriente;
_ As rebeldias surgidas dentro do bloco comunista
soviético;
_ Catarina II;
_ As divergências entre os representantes dos vários
Estados, e suas consequências imediatas;
_ O desenvolvimento cultural do Ocidente no século XIII;
_ Causa das guerras púnicas.
Em 1967, para o 1º científico (turma que iniciava o que
hoje se chama ensino médio):
_ O início da Revolução Industrial e a vantagem que a
Inglaterra conseguiu sobre a França;
_ A burocratização no Estado moderno;
_ O desemprego disfarçado;
_ As dificuldades do desenvolvimento nos países
atualmente atrasados;
_A Assembleia Legislativa.
Em 1970, para a 1ª série do colegial (1º ano do ensino
médio);
_ O elemento negro na formação do povo brasileiro;
_ O aperfeiçoamento dos engenhos de açúcar no Brasil;
_ A expansão do gado da Bahia para o norte até a margem do
São Francisco;
_ O ouro em Minas Gerais.
Dia após dia, incessantemente, o patrimônio edificado em
Capivari se perde com as histórias de seus moradores, de memórias que não resistem
à voracidade de marretas e maquinários da destruição. Enquanto a cidade estiver
apenas alçada nesse falso progresso que apaga a Memória local, inclusive as
vivências, o pertencimento também se evade com a juventude de outros tempos por
essas construções. Uma casa é uma casa, mas compõe o registro de passagens históricas
para a comunidade.
A casa do Prof. Flávio, em questões construtivas, possuía as
linhas retas de Art Déco, uma técnica muito reproduzida da década de 30 em
diante, dando então à cidade o aspecto Moderno para o antigo centro de
arquitetura Colonial e/ou Eclética. Agora, o que resta da memória de Flávio de Toledo Pacheco e sua atuação como professor por aproximadamente duas décadas (entre 1950 e 1970), é o nome ofertado à passividade de uma rua.
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Imagem: BB, dezembro de 2022. |
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Imagem: BB, dezembro de 2022.
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